A palavra compaixão no dicionário de língua portuguesa, significa dor que nos causa ao ver o mal sendo feito ao nosso próximo ou participação da dor alheia com o intuito de dividi-la com o sofredor. A etimologia da palavra tem origem do latim: compassionem da raíz compati, que possui a seguinte composição: com (junto) + pati (paixão, sofrer). Veremos que embora a origem da palavra compaixão em nosso idioma tenha um sentido interessante, nas escrituras esse sentimento tem origem em um significado físico e importante para o entendimento correto.
Origem no grego
Embora alguns acreditem que, nas escrituras, a palavra que foi traduzida para compaixão venha da composição de com + πάθος (transliterado pathos), assim como ocorre no latim e no português, essa inferência não é correta. A palavra pathos e suas derivada como pathe (πάθη) e pathei (πάθει) nas escrituras são sempre associadas com paixões depravadas e afeições negativas. Podemos encontrar nos seguintes versículos:
Por isso Deus os abandonou às paixões (πάθη) infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.
Romanos 1:26
Em Romanos, as paixões infames são associadas à homossexualidade (Romanos 1:27).
Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a fornicação, a impureza, a afeição (πάθος) desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria;
Colossenses 3:5
Em Colossenses, a afeição desordenada não deve fazer parte do cristão (Colossenses 3:6).
Não na paixão (πάθει) da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus.
1 Tessalonicenses 4:5
Em Tessalonicenses à paixão da concupiscência pode ser vista pelo próprio versículo que são associadas às pessoas que não conhecem a Deus.
Portanto, não é adequado a afirmação da mesma construção que temos em latim. Há uma possibilidade de uma forma alternada que é a palavra πάσχω (transliterada: paschó). Entretanto, essa palavra é associada com sofrimento e não compaixão, ternura ou piedade (por exemplo: Mateus 16:21, Mateus 17:12, 2 Timóteo 1:12).
Nas Escrituras – As entranhas contorcidas
Um exemplo claro e bom de compaixão encontramos num relato de Mateus, também descrito em João, sobre a chegada de Jesus em Tiberíades, situado às marges da Galileia (João 6:1):
E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.
Mateus 14:14
Jesus atraia várias pessoas que sentiam necessidade de cura (João 6:2) e posteriormente fome (Mateus 14:20). A multidão era em torno de cinco mil homens, além das mulheres e crianças (Mateus 14:21). O mesmo sentimento é demonstrado por Jesus em outras situações, onde as multidões andavam cansadas e desgarradas (Mateus 9:36).
A expressão de íntima compaixão, se fosse traduzida literalmente, significaria ter as entranhas contorcidas, movidas em amor, o que expressa um pouco do sentimento que Jesus teve. A palavra compaixão nesse texto, em grego, é ἐσπλαγχνίσθη (transliterado: esplanchnisthē), também sinônimo de σπλαγχνίζομαι (transliterado: splagchnizomai), deriva da palavra σπλάγχνα (transliterado: splagchnon) e significa literalmente entranhas, vísceras (intestinos, coração, rins, pulmões, …). É utilizado tanto para os componentes físicos, como na morte de Judas Iscariotes (Atos 1:18) ou para sentimentos (por exemplo: Lucas 1:78, 2 Coríntios 6:12, Colossenses 3:12, 1 João 3:17). Figurativamente, as entranhas eram o local das emoções. Temos também expressões equivalentes no hebraico: quando José viu seu irmão Benjamim (Gênesis 43:30), no episódio do Salomão com duas mães e um filho, onde a mãe verdadeira ficou comovida (1 Reis 3:26) ou quando Deus se comoveu com Efraim (Jeremias 31:20).
O sentimento visceral associado às entranhas é utilizado até para expressar paixão e amor (Cânticos 5:4). Paulo também fala sobre afeição associada às entranhas (Filipenses 1:8, Filipenses 2:1, 2 Coríntios 7:15), inclusive em alguns trechos, se forem lidos de maneira literal sem associar à interpretação de entranhas como sentimentos, fica um pouco estranho como, por exemplo, nos seguintes versículos:
Porque temos grande gozo e consolação do teu amor, porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas.
E tu torna a recebê-lo como às minhas entranhas.
Sim, irmão, eu me regozijarei de ti no Senhor; recreia as minhas entranhas no Senhor.
Filemon 1:7,12,20
Compaixão de Deus no Velho Testamento
Mesmo com a desobediência (Juízes 2:17), Deus se mantém misericordioso, amoroso e compassivo (Juízes 2:18), ouvindo o clamor e gemido de quem sofre (Êxodo 2:23-25). Em várias situações, Deus demonstrou a mesma compaixão (2 Reis 13:23, Isaías 54:7,8,10) que Jesus mostrou quando veio como humano (Filipenses 2:8).
Deus se compadece como um pai de seus filhos que o temem (Salmos 103:13) e, quando estamos arrependidos, Ele se esquece dos nossos pecados (Miquéias 7:18,19). Há diversos exemplos sobra a compaixão de Deus para com o ser humano (Joel 2:18, Deuteronômio 32:36, Isaías 14:1, Salmos 86:15, Salmos 72:12,13, Salmos 78:36-39, …) desde a eternidade (Salmos 25:6).
Ação para o próximo
É interessante notar como o sentimento pode ter implicações físicas a ponto de agir sobre as vísceras. Pedro, também diz como devemos nos sentir associando a misericórdia com o sentimento visceral (entranhavelmente).
E, finalmente, sede todos de um mesmo sentimento, compassivos, amando os irmãos, entranhavelmente misericordiosos e afáveis.
1 Pedro 3:8
Prometer e dizer que está orando pela pessoa e não fazer isso de coração, a sua oração se torna abominável (Salmos 66:18, João 9:31), entretanto, a oração de um justo, pode muito em seus efeitos (Tiago 5:15,16). Para poder agir com compaixão de modo a minimizar o sofrimento alheio é necessário seguir alguns passos: observar (1 João 3:17), ouvir com mansidão (Juízes 2:18, Gálatas 5:22, Colossenses 3:12-14) e agir (Mateus 14:14).
Apenas se lamentar pela situação ou dizer que sente muito, não são características da compaixão e sim da indiferença, falta de fé (Tiago 2:15-17) e falta de amor (1 João 3:17). Ao notificar a morte de uma pessoa, ao conversar com pais de alguém que tirou a própria vida, ou mesmo ao ver alguém enfermo, que possamos sentir nossas vísceras retorcerem dentro de nós e nos motivar a agir para amenizar as dores do nosso próximo. Cristo praticava isso em toda a sua vida. Ao ver uma mãe que perdeu seu único filho, Cristo sentiu suas entranhas retorcerem (moveu-se de íntima compaixão) e além de fornecer uma palavra de conforto para a mãe (Lucas 7:13), ressuscitou seu único filho (Lucas 7:14). Com esse exemplo, podemos ver, que amenizar a situação com palavras de conforto e agir, na medida do possível, para resolvê-la, são características da verdadeira compaixão (2 Coríntios 1:3,4), que nos faz inclusive se entristecer e chorar (João 11:35, Romanos 12:15).