Dízimo, um assunto polêmico. Muitas interpretações diferentes, pessoais e com base em más experiências. É a galinha dos ovos de ouro da teologia da prosperidade e, por isso, é bastante minado e mal interpretado pelo seu uso incorreto. Veremos o que as escrituras nos dizem a respeito da obrigatoriedade de dizimar, de como era realizado antes, durante e após o sacerdócio levítico.
O que é dízimo?
A palavra dízimo (מַעֲשֵׂ֖ר, em hebraico), tem sua equivalência em grego (δεκάτην) e significa um décimo, ou seja, o dízimo de algo é sua décima parte (10%). Atualmente é associado à religião, mas na antiguidade muitos reis exigiam dízimo de seus povos. Em alguns países de língua alemã há a cobrança de uma espécie de dízimo obrigatório (Kirchensteuer) para quem é membro de igreja, o que levou vários alemães a abandorem as igrejas.
Muitos acreditam que o dízimo foi estabelecido na lei de Moisés, mas como veremos mais a frente, essa informação não é verdadeira. Em algumas civilizações, inclusive não cristã, anteriores à Moisés, o dízimo já era prática comum. No Egito foi pago o quinto da terra à Faraó (Gênesis 47:24), que é um duplo dízimo (20%) e a prática de mais de um dízimo era comum também no meio levítico (Deuteronômio 14:23). Pois um era santo e separado para Deus (Levítico 27:30), outro poderia ser utilizado para uso próprio e inclusive em dinheiro (Deuteronômio 14:25,26), outro à cada três anos e para auxílio aos necessitados (Deuteronômio 14:28,29). Além dos judeus e cristãos, os islâmicos tem algo parecido com o dízimo chamado de Zakat (زَكَاة, em árabe), mas o valor é de 2,5% da riqueza de cada pessoa.
Dízimos no sacerdócio levítico
Deus solicitou por meio de Moisés à todos os filhos de Israel (Levítico 27:34) que trouxessem os dízimos do campo e de suas produções (Levítico 27:30). Sem a contribuição do dízimo, os filhos de Levi (levitas), não teriam sustento, pois eles não tinham outra herança (Números 18:24) e os seus trabalhos estavam relacionados à manutenção do tabernáculo (Números 18:21), por estatuto perpétuo (Números 18:23). Até os próprios levitas deviam dar dízimo dos dízimos recebidos (Números 18:26). Além do dízimos que eram obrigatórios segundo a lei mosaica, existiam também as ofertas que eram voluntárias (Êxodo 36:3).
O Senhor, por intermédio do profeta Malaquias, chama os israelista de ladrões, que roubam a Deus (Malaquias 3:8,9) por não auxiliar os levitas, por meio dos dízimos e ofertas, causando a falta mantimento no templo. Inclusive pede para que O prove ao levar os dízimos, abençoando-os (Malaquias 3:10,12) e evitando que pragas estrague as plantações (Malaquias 3:11). Por esse exemplo, vemos que não auxiliar as atividades relacionadas à Deus é semelhante à roubá-Lo. A casa do tesouro relatada em Malaquias (Malaquias 3:10) era um depósito, ou um celeiro, do templo para armazenamento dos dízimos (Neemias 10:38,39). Salomão também descreve bençãos relacionadas com o dízimo (Provérbios 3:9,10).
Antes de Moisés
Antes de Moisés, do sacerdócio levítico e das leis escritas, a prática do dízimo, já era realizada por Abraão (Gênesis 14:20), que tinha por direito os espólios de guerra, entretanto entregou à Melquisedeque, que era o sacerdote do Deus Altíssimo (Gênesis 14:18, Hebreus 7:1). Esse tipo de sacerdócio, sem leis escritas em tábuas de pedras (Ezequiel 36:26,27, 2 Coríntios 3:3, Hebreus 8:10), é o mesmo modelo que temos atualmente com Cristo (Hebreus 6:20, Hebreus 7:3,21,23, Salmos 110:4).
Jacó também antes do sacerdócio levítico e, portanto, antes da lei de Moisés, fez voto de dizimar tudo o que o Senhor lhe desse (Gênesis 28:22). Portanto, verificamos que o dízimo já existia antes da instituição da lei que veio de Deus por meio de Moisés (Levítico 26:46).
Abraão e Jacó eram sacerdotes de suas famílias, já que eles eram responsáveis pelos sacrifícios (Gênesis 22:13, Gênesis 31:54) e não haviam os levitas, mesmo assim eles deram os dízimos, mostrando que antes da lei de Moisés o dízimo era um reconhecimento de que tudo é propriedade de Deus, já que não haviam sacerdotes levitas e nem templo. Assim como Abraão e Jacó, também somos sacerdotes (1 Pedro 2:5,9).
Alguns dizem que Abraão deu dízimo apenas uma única vez e Jó, que era justo, nunca deu dízimo. A falta do relato não implica em negação da contribuição do dízimo. Não há como afirmar que Abraão deu dízimo apenas uma única vez e nem que Jó não dava dízimos, pois nas escrituras não existem os registros de cada dízimo dado.
Dízimo para os judeus
Será que os judeus de hoje dão os dízimos? A verdade é que os dízimos atuais não são dados para levitas, pois não há trabalhos do templo a serem desempenhados. Porém há um conceito e mandamento bastante importante conhecido como tzedaká (צדקה em hebraico), relacionado com justiça e dado por Deus no Monte Sinai (Deuteronômio 15:7,8). Portanto, uma vez que não há mais levitas, todo judeu tem a obrigação de dar um décimo de sua renda e ajudar os necessitados para cumprir o tzedaká. As leis relativas ao dízimo que beneficiam as viúvas, órfãos e necessitados vigoram em Israel até hoje. Há alguns pontos interessantes nas citações do Maimônides (um dos grandes codificadores das leis judaicas): o doador sabe quem é o destinatário, mas quem recebe a doação não deve saber quem fez a doação; o doador faz a caridade antes mesmo de ser solicitada. Há mais informações a respeito no site da Associação Israelita de Beneficência Beit Chabad do Brasil.
Dízimos no Novo Testamento
Nas ofertas, Cristo criticou a avareza dos ricos e exaltou a contribuição da oferta de coração feita pela viúva pobre (Lucas 21:1-4). Também criticou aquele que cumpre a lei, jejua e dá dízimos apenas para se exaltar (Lucas 18:12,14). Entretanto, Ele confirma que o dízimo é bom para ser devolvido, dizendo que devemos ter justiça, misericórdia e fé, sem deixar de dizimar (Mateus 23:23). Embora haja algumas referências nos evangelhos, na época apostólica não se determina a porcentagem, mas é dito que devemos dar conforme a nossa prosperidade (1 Coríntios 16:2), voluntariamente e com alegria (2 Coríntios 9:7).
O Novo Testamento garante que Cristo cumpriu todos os preceitos da Lei (Mateus 5:17). Ele era judeu (Mateus 1:1-16) e também foi circuncidado (Lucas 2:21) de acordo com a orientação de Deus dada para Abraão (Gênesis 17:9-11). Portanto, Ele também deu o dízimo, pelo menos enquanto estava com José, que era carpinteiro (Mateus 13:55, Marcos 6:3). Cristo também foi auxiliado financeiramente para pregação do evangelho (Lucas 8:1-3).
Embora Paulo não utilizava-se do dinheiro do dízimo (1 Coríntios 9:15) para não ser empecilho para a pregação do evangelho (1 Coríntios 9:12), ele sabia que era um direito dado por Deus (1 Coríntios 9:14, 1 Coríntios 9:4). Isso fica evidente por causa da referência ao dinheiro que sustentava os levitas no templo: o dízimo (1 Coríntios 9:13).
Para o crescimento da igreja primitiva e auxílio aos necessitados, era comum a contribuição financeira na época apostólica, por meio de coletas (1 Coríntios 16:2), por ofertas voluntárias em dinheiro provindo de venda de imóveis (Atos 4:34,35) e em alguns casos auxílios à outras igrejas em outras regiões onde havia necessidade (Atos 11:27-30, Romanos 15:26, 1 Coríntios 16:3, 2 Coríntios 8:1-3). Além do auxílio aos necessitados por meio de ofertas (Atos 4:32-37), havia contribuições para os presbíteros (1 Timóteo 5:17,18).
Dinheiro, frutos da terra, anual ou mensal?
Antigamente o dízimo não era mensal, era anual e não financeiro. Essa afirmação está parcialmente correta. Em Deuteronômio 14:22-24, é dito claramente que o dízimo era do fruto anual do campo, entretanto a forma de trabalho na época do Velho Testamento é bem diferente de hoje. Apesar disso, e alguns casos, os dízimos eram recebidos até de três em três dias (Amós 4:4).
Há um motivo dessa periodicidade anual do dízimo: na época levítica, a colheita também era anual, e havia uma festa para comemorar o seu início, conhecida como Festa das Primícias (um dos sete sábados anuais cerimoniais), pois os primeiros frutos da colheita eram dedicados à Deus (Levítico 23:9-14). Havia também outro sábado anual cerimonial que comemorava o fim da colheita, também conhecido como Pentecostes ou Festa das Semanas (Levítico 23:15-22).
Atualmente, o nosso rendimento não é mais anual, mas sim em períodos curtos, mensais, em alguns casos semanais e diários. Os custos também seguem a mesma lógica, portanto, ao reter o dízimo por um período longo, o dinheiro direcionado à obra de Deus pode perder seu valor real e causar demora desnecessária onde ele seria utilizado de maneira imediata. Essa realidade não ocorria no período levítico.
Outro ponto interessante é que nessa época, e até recentemente, a moeda de troca eram os produtos agrários (escambo), por isso o dízimo era dado em frutos da terra: grãos, vinho, azeite, vacas, ovelhas (Deuteronômio 14:23), hortelã, endro, cominho (Mateus 23:23), arruda e hortaliças (Lucas 11:42). Esse era o “dinheiro” mais utilizado na época. No periodo do novo testamento também não havia objeções a dar o dízimo em dinheiro, como podemos comprovar na lição da viúva pobre (Lucas 21:1-4). No antigo testamento, o dízimo poderia ser em dinheiro também, mas acrescentava-se um juros da quinta parte na conversão (Levíticos 27:31).
Amor, graça e reconhecimento
Ninguém deve ser obrigado à dizimar e ofertar, pois Deus não se alegra com sacrifícios (Oséias 6:6, 1 Samuel 15:22). É necessário aprender o que significa isso (Mateus 9:13). Se você não se alegra em dizimar, isso não agrada à Deus (2 Coríntios 9:7). Sabemos que Deus é o Dono de tudo (Samos 24:1), Ele criou todas as coisas, visíveis e invisíveis. Tudo foi criado por Ele e para Ele (Colossenses 1:16). É Deus que te dá a força para o seu sustento financeiro (Deuteronômio 8:17,18) e mantimento (Salmos 145:15). E assim que tivermos isso em mente, buscaremos auxiliar toda a obra que contribua para o reino de Deus, em uma denominação ou fora dela, auxiliando na divulgação da Palavra e o restante nos será acrescentado (Lucas 12:31).
Dizimar e ofertar não é critério de salvação e sim gratidão. Uma contribuição dada para auxílio ao evangelho exerce a mesma função do dízimo da lei levítica. Assim como no velho testamento, as ofetas e dízimos iam para o templo, nas reuniões do novo testamento o dinheiro ia para auxílio missionário (semelhante ao dízimo da lei), auxílio à igreja local e necessitados (semelhante à outros dízimos e ofertas da lei). Atualmente, pela graça de Cristo, podemos realizar o mesmo tipo de obra, seja auxiliar uma igreja física, uma instituição beneficiente, apoio à um grupo de missionários ou pessoas que evangelizam e ajudar o necessitado. Se o nome que você utiliza para isso é coleta de ofertas ou de dízimo é só uma questão de nomenclatura, já que todo auxílio deve ser feito de forma voluntária, de coração. Portanto, dizimar, ofertar ou auxiliar, o importante é que seja feito por Amor.
É melhor dar do que receber (Atos 20:35) seja financeiramente, nos dízimos e ofertas (Ageu 2:8), ou mesmo com o nossos talentos, dons (Tiago 1:17, 1 Coríntios 12:7-11), tempo (Tiago 4:13-15), vida (João 3:16) e corpo, pois também não é nosso e sim propriedade de Deus, santuário do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19,20). Mesmo assim estaremos apenas devolvendo uma parte do que já é completamente de Deus, mas aprenderemos a nos guardar da avareza (Lucas 12:15, Hebreus 13:5, 1 Timóteo 6:6-10, Provérbios 15:16). Portanto, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração (Mateus 6:19-21). Que possamos ser contribuintes para o evangelho, não em virtude de lei, mas mediante a graça de Cristo;
Amei o artigo . Bem esclarecedor e de fácil entendimento. Que outros maus possam vir. Parabéns. Deus o abençoe.