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Ensine como Cristo

Um dos pontos curiosos da história de Cristo é que ele gostava de ensinar sentado. Desde a sua infância, nos ensinos aos doutores, Ele fez isso sentado:

E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, ASSENTADO no meio dos doutores, ouvindo-os, e interrogando-os.
Lucas 2:46

Um dos Seus sermões mais conhecidos, o sermão do monte, também foi feito sentado:

E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, ASSENTANDO-SE, aproximaram-se dele os seus discípulos;
E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
Mateus 5:1,2

Ao ensinar utilizando parábolas:

Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava ASSENTADO junto ao mar;
E ajuntou-se muita gente ao pé dele, de sorte que, entrando num barco, se ASSENTOU; e toda a multidão estava em pé na praia.
E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear.
Mateus 13:1-3

No sermão profético, feito pouco antes de Sua morte e olhando para o templo:

E, estando ASSENTADO no Monte das Oliveiras, chegaram-se a ele os seus discípulos em particular, dizendo: Dize-nos, quando serão essas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e do fim do mundo?
Mateus 24:3

No barco:

E, entrando num dos barcos, que era o de Simão, pediu-lhe que o afastasse um pouco da terra; e, ASSENTANDO-SE, ensinava do barco a multidão.
Lucas 5:3
Novamente Jesus começou a ensinar à beira-mar. Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão grande que ele teve que entrar num barco e ASSENTAR-SE nele. O barco estava no mar, enquanto todo o povo ficava na beira da praia.
Marcos 4:1

No ensino sobre quem é o maior no reino dos céus:

ASSENTANDO-SE, Jesus chamou os Doze e disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, será o último, e servo de todos
Marcos 9:35

Ou mesmo no templo:

Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se ASSENTOU para ensiná-lo.
João 8:2

E na sinagoga em Nazaré:

E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, ASSENTOU-SE; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele.
Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos.
Lucas 4:20,21

Entretanto, nas sinagogas havia uma cadeira que ficavam na parte da frente.

Cadeira do Moisés de Corazin

Essa cadeira era chamadas de “Cadeira de Moisés”. Era costume ler a Lei e os Profetas (escrituras) em pé e sentar-se nessa cadeira para pregar. Era em uma cadeira como essa que falavam também os escribas e fariseus (Mateus 23:1-3). Essa prática de se assentar em cadeiras para para falar ao povo era uma prática de Moisés (Êxodo 18:13) e, por isso, na época de Cristo, essas cadeiras tinham esse nome.

Embora Cristo, provavelmente, sentou-se na cadeira de Moisés em uma sinagoga para ensinar (Lucas 4:20), Ele repreendeu quem almejava mais o título do que a função de servir (Mateus 23:6-12). O problema não era sentar na cadeira, mas o desejo de ser visto como mais importante que os outros (Mateus 23:5).

Hoje em dia também temos a noção de que um mestre ensina sentado. A palavra cátedra, que é atribuído a um professor que chegou no grau mais alto de docência e conhecimento, portanto, apto a ensinar, tem origem do latim cathedra e significa cadeira. Esse mesmo título é utilizado por autoridades religiosas importantes e é à partir dessa expressão que surgiu o nome catedral como o lugar onde se tem um cátedra. Por exemplo, para a igreja católica, na basílica de São Pedro, temos a Cátedra de Pedro (Cathedra Petri – Cadeira de Pedro) que é utilizado como trono pelos papas. Quando um papa senta nessa nessa cadeira, a teologia católica diz que ele é infalível e, esse momento é chamado de: ex cathedra, que significa, “à partir da cadeira”.

Vemos que Cristo, em Seus ensinos, fazia diferente do convencional, Ele não subia em lugares elevados e nem em cadeiras ou tronos com o propósito de se exibir. Ele sentava em barcos, no chão, se aproximava e trazia nova luz para verdades que haviam sido distorcidas por outros. Esse costume também foi seguido por seus discípulos (Atos 16:13). Podemos observar que na simplicidade e até mesmo sentados podemos iluminar pessoas com o conhecimento revelado por Cristo.

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Não obrigues a dizimar

Dízimo, um assunto polêmico. Muitas interpretações diferentes, pessoais e com base em más experiências. É a galinha dos ovos de ouro da teologia da prosperidade e, por isso, é bastante minado e mal interpretado pelo seu uso incorreto. Veremos o que as escrituras nos dizem a respeito da obrigatoriedade de dizimar, de como era realizado antes, durante e após o sacerdócio levítico.

O que é dízimo?

A palavra dízimo (מַעֲשֵׂ֖ר, em hebraico), tem sua equivalência em grego (δεκάτην) e significa um décimo, ou seja, o dízimo de algo é sua décima parte (10%). Atualmente é associado à religião, mas na antiguidade muitos reis exigiam dízimo de seus povos. Em alguns países de língua alemã há a cobrança de uma espécie de dízimo obrigatório (Kirchensteuer) para quem é membro de igreja, o que levou vários alemães a abandorem as igrejas.

Muitos acreditam que o dízimo foi estabelecido na lei de Moisés, mas como veremos mais a frente, essa informação não é verdadeira. Em algumas civilizações, inclusive não cristã, anteriores à Moisés, o dízimo já era prática comum. No Egito foi pago o quinto da terra à Faraó (Gênesis 47:24), que é um duplo dízimo (20%) e a prática de mais de um dízimo era comum também no meio levítico (Deuteronômio 14:23). Pois um era santo e separado para Deus (Levítico 27:30), outro poderia ser utilizado para uso próprio e inclusive em dinheiro (Deuteronômio 14:25,26), outro à cada três anos e para auxílio aos necessitados (Deuteronômio 14:28,29). Além dos judeus e cristãos, os islâmicos tem algo parecido com o dízimo chamado de Zakat (زَكَاة, em árabe), mas o valor é de 2,5% da riqueza de cada pessoa.

Dízimos no sacerdócio levítico

Deus solicitou por meio de Moisés à todos os filhos de Israel (Levítico 27:34) que trouxessem os dízimos do campo e de suas produções (Levítico 27:30). Sem a contribuição do dízimo, os filhos de Levi (levitas), não teriam sustento, pois eles não tinham outra herança (Números 18:24) e os seus trabalhos estavam relacionados à manutenção do tabernáculo (Números 18:21), por estatuto perpétuo (Números 18:23). Até os próprios levitas deviam dar dízimo dos dízimos recebidos (Números 18:26). Além do dízimos que eram obrigatórios segundo a lei mosaica, existiam também as ofertas que eram voluntárias (Êxodo 36:3).

O Senhor, por intermédio do profeta Malaquias, chama os israelista de ladrões, que roubam a Deus (Malaquias 3:8,9) por não auxiliar os levitas, por meio dos dízimos e ofertas, causando a falta mantimento no templo. Inclusive pede para que O prove ao levar os dízimos, abençoando-os (Malaquias 3:10,12) e evitando que pragas estrague as plantações (Malaquias 3:11). Por esse exemplo, vemos que não auxiliar as atividades relacionadas à Deus é semelhante à roubá-Lo. A casa do tesouro relatada em Malaquias (Malaquias 3:10) era um depósito, ou um celeiro, do templo para armazenamento dos dízimos (Neemias 10:38,39). Salomão também descreve bençãos relacionadas com o dízimo (Provérbios 3:9,10).

Antes de Moisés

Antes de Moisés, do sacerdócio levítico e das leis escritas, a prática do dízimo, já era realizada por Abraão (Gênesis 14:20), que tinha por direito os espólios de guerra, entretanto entregou à Melquisedeque, que era o sacerdote do Deus Altíssimo (Gênesis 14:18, Hebreus 7:1). Esse tipo de sacerdócio, sem leis escritas em tábuas de pedras (Ezequiel 36:26,27, 2 Coríntios 3:3, Hebreus 8:10), é o mesmo modelo que temos atualmente com Cristo (Hebreus 6:20, Hebreus 7:3,21,23, Salmos 110:4).

Jacó também antes do sacerdócio levítico e, portanto, antes da lei de Moisés, fez voto de dizimar tudo o que o Senhor lhe desse (Gênesis 28:22). Portanto, verificamos que o dízimo já existia antes da instituição da lei que veio de Deus por meio de Moisés (Levítico 26:46).

Abraão e Jacó eram sacerdotes de suas famílias, já que eles eram responsáveis pelos sacrifícios (Gênesis 22:13, Gênesis 31:54) e não haviam os levitas, mesmo assim eles deram os dízimos, mostrando que antes da lei de Moisés o dízimo era um reconhecimento de que tudo é propriedade de Deus, já que não haviam sacerdotes levitas e nem templo. Assim como Abraão e Jacó, também somos sacerdotes (1 Pedro 2:5,9).

Alguns dizem que Abraão deu dízimo apenas uma única vez e Jó, que era justo, nunca deu dízimo. A falta do relato não implica em negação da contribuição do dízimo. Não há como afirmar que Abraão deu dízimo apenas uma única vez e nem que Jó não dava dízimos, pois nas escrituras não existem os registros de cada dízimo dado.

Dízimo para os judeus

Será que os judeus de hoje dão os dízimos? A verdade é que os dízimos atuais não são dados para levitas, pois não há trabalhos do templo a serem desempenhados. Porém há um conceito e mandamento bastante importante conhecido como tzedaká (צדקה em hebraico), relacionado com justiça e dado por Deus no Monte Sinai (Deuteronômio 15:7,8). Portanto, uma vez que não há mais levitas, todo judeu tem a obrigação de dar um décimo de sua renda e ajudar os necessitados para cumprir o tzedaká. As leis relativas ao dízimo que beneficiam as viúvas, órfãos e necessitados vigoram em Israel até hoje. Há alguns pontos interessantes nas citações do Maimônides (um dos grandes codificadores das leis judaicas): o doador sabe quem é o destinatário, mas quem recebe a doação não deve saber quem fez a doação; o doador faz a caridade antes mesmo de ser solicitada. Há mais informações a respeito no site da Associação Israelita de Beneficência Beit Chabad do Brasil.

Dízimos no Novo Testamento

Nas ofertas, Cristo criticou a avareza dos ricos e exaltou a contribuição da oferta de coração feita pela viúva pobre (Lucas 21:1-4). Também criticou aquele que cumpre a lei, jejua e dá dízimos apenas para se exaltar (Lucas 18:12,14). Entretanto, Ele confirma que o dízimo é bom para ser devolvido, dizendo que devemos ter justiça, misericórdia e fé, sem deixar de dizimar (Mateus 23:23). Embora haja algumas referências nos evangelhos, na época apostólica não se determina a porcentagem, mas é dito que devemos dar conforme a nossa prosperidade (1 Coríntios 16:2), voluntariamente e com alegria (2 Coríntios 9:7).

O Novo Testamento garante que Cristo cumpriu todos os preceitos da Lei (Mateus 5:17). Ele era judeu (Mateus 1:1-16) e também foi circuncidado (Lucas 2:21) de acordo com a orientação de Deus dada para Abraão (Gênesis 17:9-11). Portanto, Ele também deu o dízimo, pelo menos enquanto estava com José, que era carpinteiro (Mateus 13:55, Marcos 6:3). Cristo também foi auxiliado financeiramente para pregação do evangelho (Lucas 8:1-3).

Embora Paulo não utilizava-se do dinheiro do dízimo (1 Coríntios 9:15) para não ser empecilho para a pregação do evangelho (1 Coríntios 9:12), ele sabia que era um direito dado por Deus (1 Coríntios 9:14, 1 Coríntios 9:4). Isso fica evidente por causa da referência ao dinheiro que sustentava os levitas no templo: o dízimo (1 Coríntios 9:13).

Para o crescimento da igreja primitiva e auxílio aos necessitados, era comum a contribuição financeira na época apostólica, por meio de coletas (1 Coríntios 16:2), por ofertas voluntárias em dinheiro provindo de venda de imóveis (Atos 4:34,35) e em alguns casos auxílios à outras igrejas em outras regiões onde havia necessidade (Atos 11:27-30, Romanos 15:26, 1 Coríntios 16:3, 2 Coríntios 8:1-3). Além do auxílio aos necessitados por meio de ofertas (Atos 4:32-37), havia contribuições para os presbíteros (1 Timóteo 5:17,18).

Dinheiro, frutos da terra, anual ou mensal?

Antigamente o dízimo não era mensal, era anual e não financeiro. Essa afirmação está parcialmente correta. Em Deuteronômio 14:22-24, é dito claramente que o dízimo era do fruto anual do campo, entretanto a forma de trabalho na época do Velho Testamento é bem diferente de hoje. Apesar disso, e alguns casos, os dízimos eram recebidos até de três em três dias (Amós 4:4).

Há um motivo dessa periodicidade anual do dízimo: na época levítica, a colheita também era anual, e havia uma festa para comemorar o seu início, conhecida como Festa das Primícias (um dos sete sábados anuais cerimoniais), pois os primeiros frutos da colheita eram dedicados à Deus (Levítico 23:9-14). Havia também outro sábado anual cerimonial que comemorava o fim da colheita, também conhecido como Pentecostes ou Festa das Semanas (Levítico 23:15-22).

Atualmente, o nosso rendimento não é mais anual, mas sim em períodos curtos, mensais, em alguns casos semanais e diários. Os custos também seguem a mesma lógica, portanto, ao reter o dízimo por um período longo, o dinheiro direcionado à obra de Deus pode perder seu valor real e causar demora desnecessária onde ele seria utilizado de maneira imediata. Essa realidade não ocorria no período levítico.

Outro ponto interessante é que nessa época, e até recentemente, a moeda de troca eram os produtos agrários (escambo), por isso o dízimo era dado em frutos da terra: grãos, vinho, azeite, vacas, ovelhas (Deuteronômio 14:23), hortelã, endro, cominho (Mateus 23:23), arruda e hortaliças (Lucas 11:42). Esse era o “dinheiro” mais utilizado na época. No periodo do novo testamento também não havia objeções a dar o dízimo em dinheiro, como podemos comprovar na lição da viúva pobre (Lucas 21:1-4). No antigo testamento, o dízimo poderia ser em dinheiro também, mas acrescentava-se um juros da quinta parte na conversão (Levíticos 27:31).

Amor, graça e reconhecimento

Ninguém deve ser obrigado à dizimar e ofertar, pois Deus não se alegra com sacrifícios (Oséias 6:6, 1 Samuel 15:22). É necessário aprender o que significa isso (Mateus 9:13). Se você não se alegra em dizimar, isso não agrada à Deus (2 Coríntios 9:7). Sabemos que Deus é o Dono de tudo (Samos 24:1), Ele criou todas as coisas, visíveis e invisíveis. Tudo foi criado por Ele e para Ele (Colossenses 1:16). É Deus que te dá a força para o seu sustento financeiro (Deuteronômio 8:17,18) e mantimento (Salmos 145:15). E assim que tivermos isso em mente, buscaremos auxiliar toda a obra que contribua para o reino de Deus, em uma denominação ou fora dela, auxiliando na divulgação da Palavra e o restante nos será acrescentado (Lucas 12:31).

Dizimar e ofertar não é critério de salvação e sim gratidão. Uma contribuição dada para auxílio ao evangelho exerce a mesma função do dízimo da lei levítica. Assim como no velho testamento, as ofetas e dízimos iam para o templo, nas reuniões do novo testamento o dinheiro ia para auxílio missionário (semelhante ao dízimo da lei), auxílio à igreja local e necessitados (semelhante à outros dízimos e ofertas da lei). Atualmente, pela graça de Cristo, podemos realizar o mesmo tipo de obra, seja auxiliar uma igreja física, uma instituição beneficiente, apoio à um grupo de missionários ou pessoas que evangelizam e ajudar o necessitado. Se o nome que você utiliza para isso é coleta de ofertas ou de dízimo é só uma questão de nomenclatura, já que todo auxílio deve ser feito de forma voluntária, de coração. Portanto, dizimar, ofertar ou auxiliar, o importante é que seja feito por Amor.

É melhor dar do que receber (Atos 20:35) seja financeiramente, nos dízimos e ofertas (Ageu 2:8), ou mesmo com o nossos talentos, dons (Tiago 1:17, 1 Coríntios 12:7-11), tempo (Tiago 4:13-15), vida (João 3:16) e corpo, pois também não é nosso e sim propriedade de Deus, santuário do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19,20). Mesmo assim estaremos apenas devolvendo uma parte do que já é completamente de Deus, mas aprenderemos a nos guardar da avareza (Lucas 12:15, Hebreus 13:5, 1 Timóteo 6:6-10, Provérbios 15:16). Portanto, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração (Mateus 6:19-21). Que possamos ser contribuintes para o evangelho, não em virtude de lei, mas mediante a graça de Cristo;

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Julgue

Devemos julgar? É correto condenar e acusar pessoas? Devemos criticar alguém que faz algo errado ou apoiá-la em seu erro? Existe um julgamento justo? Devemos julgar as ações dos outros, por exemplo: um fumante deve ser julgado e alertado por fumar? Devemos acusar os outros por comerem indevidamente? Assuntos polêmicos que a Escritura nos responde com sabedoria.

Mateus disse pra não julgar?

Um texto muito utilizado sobre se devemos julgar ou não é o de Mateus 7:1:

Não julgueis, para que não sejais julgados.

A palavra utilizada com o contexto de julgamento nesse texto é derivada da palavra krinō (κρίνω em grego). O seu significado, segundo Thayer e Strong, é de distinguir, decidir (mental ou judicialmente), pronunciar uma opinião a respeito de estar certo ou errado (decidir entre o bem e mal): ou seja, um julgamento, por isso é normalmente traduzida como julgar (Lucas 6:37, João 7:51, João 18:31, Atos 13:46, Romanos 2:27).

O texto de Mateus 7:1 não diz para não julgar, mas o que ocorre se você julgar, ou seja, se você julgar, será julgado. Continuando o texto, veremos que da mesma maneira que você julga, você é julgado (Mateus 7:2). Portanto, não é uma proibição de julgamento, mas sim que ao julgar você tem que se examinar antes para verificar se não está cometendo o mesmo erro ou até mais grave (Mateus 7:3,4). É um texto direcionado ao hipócrita (Mateus 7:5) que não enxerga que comete o mesmo pecado (Mateus 7:3). Entretanto, após remover a trave do olho, deixa de ser hipócrita, e assim pode remover o cisco do olho do seu irmão (Mateus 7:5). Nesse mesmo capítulo, Cristo nos orienta a julgar os falsos profetas por seus frutos, dessa maneira saberemos discernir suas ações e com isso não sermos enganados por quem pratica a iniquidade (Mateus 7:15-23). Uma lição importante é que ao invés de apenas acusar, é necessário olhar para si mesmo e só assim, mediante a um bom julgamento, auxiliar o seu irmão.

Texto semelhante encontra-se em Romanos 2:1. Paulo descreve novamente um hipócrita que julga o seu irmão e desse jeito, o hipócrita é julgado do mesmo pecado, assim como descrito em Mateus 7. Portanto, ao julgar para auxiliar, devemos cuidar para não estarmos no mesmo erro do julgamento aferido (Romanos 2:3,21,22,23) e sem fazer acepção de pessoas (Romanos 2:11).

Orientação de Deus sobre julgamentos

A instrução de Deus é justamente que não devemos fazer discriminação de pessoas, pois, somente Ele sabe o que está no coração de cada um (Salmos 44:21, Atos 1:24, 1 Samuel 16:7). Ele julga corretamente o ser humano (Salmos 96:13, Salmos 98:9), por isso, em algumas situações somente Ele pode nos mostrar a diferença entre o justo e o ímpio que podem se encontrar no mesmo povo (Malaquias 3:18). Com isso nos dá capacidades (Isaías 28:6) de não julgarmos apenas por sua origem e pela aparência, mas por julgamento justo, conforme a orientação de Cristo (João 7:24). Entretanto, é necessário discernir entre o bem e o mal (Hebreus 5:14) e afastar-se das más companhias (Provérbios 24:1, 1 Coríntios 15:33), não participar de suas más obras (1 Timóteo 5:22, 2 João 1:11) ou julgar e repreendê-lo para correção (1 Timóteo 5:20), porque o amor não suporta a injustiça (1 Coríntios 13:6). Devemos julgar principalmente os que dizem que fazem parte da igreja de Cristo (1 Coríntios 5:12), por isso, afastar-se dos hipócritas (1 Coríntios 5:11).

Julgando no Velho Testamento

Moisés julgava o povo (Êxodo 18:13) e ele ordenou homens para julgarem em seu lugar (Êxodo 18:21-26), portanto, Moisés constituiu juízes para realizar o julgamento sem discriminação considerando o juízo de Deus (Deuteronômio 1:16,17). Para o povo de Israel, havia uma congregação que julgavam as pessoas (Números 35:24). Várias pessoas julgavam outros homens por decreto de Deus: Débora, a profetisa (Juízes 4:4), Samuel (1 Samuel 7:15), Davi (2 Samuel 8:15), Salomão (1 Reis 3:9,10).

Deus confirma por Moisés (Levítico 19:1), a lei do amor ao próximo (Levítico 19:18) e que a recomendação para o povo escolhido é julgar o seu próximo com justiça (Levítico 19:15), sem ódio, entretanto, com repreensão (Levítico 19:17).

Salomão orienta que o sábio não deve ter parcialidade no julgar (Provérbios 24:23) e que o rei deve julgar com equidade (Provérbios 29:14). Deus, utilizando o profeta Jeremias também diz para casa de Israel julgar justamente (Jeremias 21:12).

Exemplo dos apóstolos e de Cristo

Os apóstolos julgavam (Atos 15:19, Atos 16:15, 1 Coríntios 5:3) e inclusive orienta-nos a julgar (1 Coríntios 10:15, 1 Coríntios 11:13, Atos 4:19), pois, devemos discernir o certo e o errado e se o espírito provém de Deus (1 João 4:1). Jesus até disse para Simão que ele julgou bem a respeito da aplicação do perdão (Lucas 7:43). Paulo nos orienta a julgar as coisas dessa vida (1 Coríntios 6:3), inclusive as coisas mínimas (1 Coríntios 6:2), e de preferência dentro da igreja (1 Coríntios 6:4,5).

Entretanto, ao julgar não devemos desprezar nosso irmão (Romanos 14:10), que é pecador como todos (Romanos 3:9-12), por isso, cada um dará conta de si mesmo a Deus (Romanos 14:12). Portanto, se ao julgar, nos tornamos pedra de tropeço, ou seja, ao invés de ajudar iremos prejudicar e afastá-lo de Cristo é melhor que não julguemos uns aos outros (Romanos 14:13). Por exemplo, se ao criticar o que seu irmão come, ao invés de fazê-lo evitar alimentos prejudiciais para o corpo que é o templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19,20), irá fazer afastá-lo um dos outros e não crescer para Cristo, é melhor que não o irrite por causa do que come ou bebe (Romanos 14:3,15), ou se ele tem algum dia especial (Romanos 14,5,6, Colossenses 2:16). Entretanto, se o seu irmão é sábio e atende a repreensão e admoestação, no momento oportuno, é bom julgá-lo e repreendê-lo para o crescimento da igreja de Cristo (Hebreus 3:13, 1 Tessalonicenses 5:11-14). O objetivo da igreja de Cristo é seguirmos as coisas que servem para a paz, mas também para a edificação mútua (Romanos 14:19). Edificar o outro não significa maldisser o outro, nesse caso você não está ajudando-o a crescer, mas condenando e isso é papel do Juiz e não de um observador da lei (Tiago 4:11). Legislar e julgar com a finalidade de condenação é papel apenas de Deus, não devemos nos colocar na posição de juízes (Tiago 4:12).

A lei judaica julgava um homem (João 7:51) mediante a presença de pelo menos duas testemunhas (João 8:17). Apesar de muitos dizerem que Jesus não julgou ninguém (João 8:15), Ele afirma que quando Ele julga o Seu juízo é verdadeiro (João 8:16) e justo (João 5:30), inclusive de acordo com a lei judaica na presença de duas testemunhas (João 8:18, João 5:32), entretanto, a função de Jesus em nossa terra é para salvar e não julgar (João 12:47, João 3:17). Quem rejeita a salvação já tem quem o julgue (João 12:48), de acordo com os mandamentos dado pelo Pai (João 12:49) pelo seu Filho (João 12:50). Por isso, julgar se alguém já está salvo, não cabe a nós mesmo, pois, quem julga é o Senhor (1 Coríntios 4:4), por isso não devemos também dizer se alguém está condenado, pois, isso só será revelado quando o Senhor voltar (1 Coríntios 4:5)

Ideal do Cristão

O ideal do cristão é que a sua própria consciência o julgue e não a de outro (1 Coríntios 10:29,
1 Coríntios 11:31). Quando nos julgam, somos repreendidos pelo Senhor para não sermos condenados pelo mundo (1 Coríntios 11:32). Tudo o que fazemos deve ser para glória de Deus (1 Coríntios 10:31), e para isso não devemos servir de escândalo para os outros (1 Coríntios 10:32), para que muitos possam ser salvos (1 Coríntios 10:33). Quem de fato crê em Cristo não é julgado, pois, faz a vontade de Deus e pratica a verdade (João 3:21), mas o que não crê, já está julgado (João 3:18), pois, ama as trevas mais do que a luz (João 3:19) e pratica o mal (João 3:20).

Conclusões

É normal e comum avaliarmos e julgarmos os outros. Ao dizer que tal pessoal não deve julgar, já estamos julgando-a. Provavelmente, o próprio leitor já julgou o autor desse texto também. Entretanto, o uso de ternura e amor ao julgar os outros ao invés de severidade, com falta de compaixão fazem com que as pessoas se afastem. Portanto, devemos ter compaixão e não sermos precipitados como os amigos de Jó. Verificamos que o julgamento com a finalidade de condenação só deve ser realizado por Deus, mas o julgamento com a finalidade de discernimento e auxílio ao próximo é papel de todo cristão.

Não há dúvidas que devemos julgar, questionar, analisar, provar, examinar (Atos 17:11, 1 Tessalonicenses 5.21, Hebreus 13:9), pois, o que é espiritual julga bem tudo (1 Coríntios 2:15). Até os profetas devem ser julgados (1 Coríntios 14:29) para sabermos se as suas revelações são de Deus (1 João 4:1).

Entretanto, nosso julgamento com a finalidade de condenação será realizado por Deus (Atos 7:7, Romanos 3:6, 1 Coríntios 4:4), será segundo a lei da liberdade (Tiago 2:12) que é a Lei de Deus (Tiago 2:8,10,11), que é o Amor (2 João 1:6). Há um dia determinado para isso (Atos 17:31) e todos devemos comparecer nesse tribunal para dar conta de nossos atos e obras (Romanos 14:12, 1 Pedro 1:17), pois, somos justificados pela fé e essa fé é demonstrada pelos atos e obras feitas (Tiago 2:24,26)

Julgar sendo egocêntrico, juiz, mesquinho ou fofoqueiro é errado, os fariseus faziam isso, por esse motivo, Cristo disse o que se encontra em Mateus 7. Estar sempre pronto por discernir um defeito no outro é ser condenatório e hipócrita, pois Cristo é única norma de caráter a seguir e ninguém deve ser padrão para o outro. O objetivo de cristão é ajudar o seu semelhante, por isso, como podemos ver, discernir o certo e o errado, julgar com amor (1 Coríntios 16:14) e com a finalidade de ajudar é o ideal de todo cristão, ao invés de ser arrogante, acusar e condenar. Assim também, todo cristão que for repreendido de forma correta deve se alegrar e crescer a cada dia nas instruções de Deus.

O que rejeita a instrução menospreza a própria alma, mas o que escuta a repreensão adquire entendimento.

Provérbios 15:32

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Leve Compaixão

A palavra compaixão no dicionário de língua portuguesa, significa dor que nos causa ao ver o mal sendo feito ao nosso próximo ou participação da dor alheia com o intuito de dividi-la com o sofredor. A etimologia da palavra tem origem do latim: compassionem da raíz compati, que possui a seguinte composição: com (junto) + pati (paixão, sofrer). Veremos que embora a origem da palavra compaixão em nosso idioma tenha um sentido interessante, nas escrituras esse sentimento tem origem em um significado físico e importante para o entendimento correto.

Origem no grego

Embora alguns acreditem que, nas escrituras, a palavra que foi traduzida para compaixão venha da composição de com + πάθος (transliterado pathos), assim como ocorre no latim e no português, essa inferência não é correta. A palavra pathos e suas derivada como pathe (πάθη) e pathei (πάθει) nas escrituras são sempre associadas com paixões depravadas e afeições negativas. Podemos encontrar nos seguintes versículos:

Por isso Deus os abandonou às paixões (πάθη) infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.
Romanos 1:26

Em Romanos, as paixões infames são associadas à homossexualidade (Romanos 1:27).

Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a fornicação, a impureza, a afeição (πάθος) desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria;
Colossenses 3:5

Em Colossenses, a afeição desordenada não deve fazer parte do cristão (Colossenses 3:6).

Não na paixão (πάθει) da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus.
1 Tessalonicenses 4:5

Em Tessalonicenses à paixão da concupiscência pode ser vista pelo próprio versículo que são associadas às pessoas que não conhecem a Deus.

Portanto, não é adequado a afirmação da mesma construção que temos em latim. Há uma possibilidade de uma forma alternada que é a palavra πάσχω (transliterada: paschó). Entretanto, essa palavra é associada com sofrimento e não compaixão, ternura ou piedade (por exemplo: Mateus 16:21, Mateus 17:12, 2 Timóteo 1:12).

Nas Escrituras – As entranhas contorcidas

Um exemplo claro e bom de compaixão encontramos num relato de Mateus, também descrito em João, sobre a chegada de Jesus em Tiberíades, situado às marges da Galileia (João 6:1):

E, Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e possuído de íntima compaixão para com ela, curou os seus enfermos.
Mateus 14:14

Jesus atraia várias pessoas que sentiam necessidade de cura (João 6:2) e posteriormente fome (Mateus 14:20). A multidão era em torno de cinco mil homens, além das mulheres e crianças (Mateus 14:21). O mesmo sentimento é demonstrado por Jesus em outras situações, onde as multidões andavam cansadas e desgarradas (Mateus 9:36).

A expressão de íntima compaixão, se fosse traduzida literalmente, significaria ter as entranhas contorcidas, movidas em amor, o que expressa um pouco do sentimento que Jesus teve. A palavra compaixão nesse texto, em grego, é ἐσπλαγχνίσθη (transliterado: esplanchnisthē), também sinônimo de σπλαγχνίζομαι (transliterado: splagchnizomai), deriva da palavra σπλάγχνα (transliterado: splagchnon) e significa literalmente entranhas, vísceras (intestinos, coração, rins, pulmões, …). É utilizado tanto para os componentes físicos, como na morte de Judas Iscariotes (Atos 1:18) ou para sentimentos (por exemplo: Lucas 1:78, 2 Coríntios 6:12, Colossenses 3:12, 1 João 3:17). Figurativamente, as entranhas eram o local das emoções. Temos também expressões equivalentes no hebraico: quando José viu seu irmão Benjamim (Gênesis 43:30), no episódio do Salomão com duas mães e um filho, onde a mãe verdadeira ficou comovida (1 Reis 3:26) ou quando Deus se comoveu com Efraim (Jeremias 31:20).

O sentimento visceral associado às entranhas é utilizado até para expressar paixão e amor (Cânticos 5:4). Paulo também fala sobre afeição associada às entranhas (Filipenses 1:8, Filipenses 2:1, 2 Coríntios 7:15), inclusive em alguns trechos, se forem lidos de maneira literal sem associar à interpretação de entranhas como sentimentos, fica um pouco estranho como, por exemplo, nos seguintes versículos:

Porque temos grande gozo e consolação do teu amor, porque por ti, ó irmão, as entranhas dos santos foram recreadas.
E tu torna a recebê-lo como às minhas entranhas.
Sim, irmão, eu me regozijarei de ti no Senhor; recreia as minhas entranhas no Senhor.
Filemon 1:7,12,20

Compaixão de Deus no Velho Testamento

Mesmo com a desobediência (Juízes 2:17), Deus se mantém misericordioso, amoroso e compassivo (Juízes 2:18), ouvindo o clamor e gemido de quem sofre (Êxodo 2:23-25). Em várias situações, Deus demonstrou a mesma compaixão (2 Reis 13:23, Isaías 54:7,8,10) que Jesus mostrou quando veio como humano (Filipenses 2:8).

Deus se compadece como um pai de seus filhos que o temem (Salmos 103:13) e, quando estamos arrependidos, Ele se esquece dos nossos pecados (Miquéias 7:18,19). Há diversos exemplos sobra a compaixão de Deus para com o ser humano (Joel 2:18, Deuteronômio 32:36, Isaías 14:1, Salmos 86:15, Salmos 72:12,13, Salmos 78:36-39, …) desde a eternidade (Salmos 25:6).

Ação para o próximo

É interessante notar como o sentimento pode ter implicações físicas a ponto de agir sobre as vísceras. Pedro, também diz como devemos nos sentir associando a misericórdia com o sentimento visceral (entranhavelmente).

E, finalmente, sede todos de um mesmo sentimento, compassivos, amando os irmãos, entranhavelmente misericordiosos e afáveis.
1 Pedro 3:8

Prometer e dizer que está orando pela pessoa e não fazer isso de coração, a sua oração se torna abominável (Salmos 66:18, João 9:31), entretanto, a oração de um justo, pode muito em seus efeitos (Tiago 5:15,16). Para poder agir com compaixão de modo a minimizar o sofrimento alheio é necessário seguir alguns passos: observar (1 João 3:17), ouvir com mansidão (Juízes 2:18, Gálatas 5:22, Colossenses 3:12-14) e agir (Mateus 14:14).

Apenas se lamentar pela situação ou dizer que sente muito, não são características da compaixão e sim da indiferença, falta de fé (Tiago 2:15-17) e falta de amor (1 João 3:17). Ao notificar a morte de uma pessoa, ao conversar com pais de alguém que tirou a própria vida, ou mesmo ao ver alguém enfermo, que possamos sentir nossas vísceras retorcerem dentro de nós e nos motivar a agir para amenizar as dores do nosso próximo. Cristo praticava isso em toda a sua vida. Ao ver uma mãe que perdeu seu único filho, Cristo sentiu suas entranhas retorcerem (moveu-se de íntima compaixão) e além de fornecer uma palavra de conforto para a mãe (Lucas 7:13), ressuscitou seu único filho (Lucas 7:14). Com esse exemplo, podemos ver, que amenizar a situação com palavras de conforto e agir, na medida do possível, para resolvê-la, são características da verdadeira compaixão (2 Coríntios 1:3,4), que nos faz inclusive se entristecer e chorar (João 11:35, Romanos 12:15).